O Brasil comemora dez anos da aprovação do Estatuto da Cidade, uma lei federal que apresentou ferramentas inovadoras de gestão das cidades e serviu de exemplo a outros países que trabalham em prol de promover a reforma urbana. Sua principal contribuição se volta ao reconhecimento do direito à cidade, entendido como “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.
Entretanto, mesmo possuindo esse poderoso instrumento, percebe-se que muitas de nossas cidades e a maioria da população vivem sob a égide de muitos gestores que desrespeitam ou se mostram acéfalos ou lenientes para as questões oriundas do planejamento urbano. Existem muitas leis tratando dessa temática, mas não conta com controle público e social eficaz assim como de monitoramento necessário, resultando em um gerenciamento urbano ineficiente e até mesmo inexistente.
Tais questões se tornaram críticas com o advento da copa de 2014, em se tratando de prazos exíguos e exigências absurdas, se discute, por exemplo, a mobilidade urbana com foco principal no sistema VLT ou BRT, em discussões sem fundamento que fogem do foco real da questão: oferecer um sistema integrado de transporte público de qualidade, voltado à população de menor poder aquisitivo, cujo orçamento limitado se coloca como fator restritivo ao direito de ir e vir com baixo custo.
Esquecem que o ônibus (BRT) ou o “bonde contemporâneo (VLT)” não são os únicos meios de locomoção dessa população carente. Esta que mais necessita de transporte por ter sido excluída da área central das cidades, tendo construído sua moradia desassistida de assessoria técnica e em locais de pouco ou quase nenhum saneamento básico, equipamentos urbanos ou transporte, ocupando muitas vezes, áreas de preservação ou mesmo áreas de risco, onde a especulação imobiliária não estabeleceu domínio.
Os gestores públicos não concebem projetos participativos conduzidos por arquitetos e urbanistas, únicos responsáveis legalmente habilitados pelo planejamento urbano e urbanismo, em processos democráticos que estabeleçam diálogo franco e aberto com os Conselhos de Desenvolvimento Urbano, cuja constituição abrange os segmentos representativos da sociedade, legitimando escolhas que contemplam a população mais necessitada de cidades inclusivas, que ofereçam condições dignas de moradia, saúde, educação e transporte, ou mesmo um diálogo direto com a população.
Politiqueiros transformam nosso planejamento urbano e a paisagem urbana em peça ficcional. Extinguem e recriam secretarias, institutos e diretorias como se tais ações bastassem para resolver os imensos problemas causados por ineptas e sucessivas administrações que não respeitam o cidadão, que não respeitam a cidade ou a si próprios.
Este é o espelho de uma cidade que ao longo de anos vem sendo vilipendiada, desrespeitada e prostituída por aqueles que se dizem gestores e que receberam o voto da população, não para usurpá-la, mas para construí-la.
As questões do planejamento urbano há muito transcenderam o âmbito político. Nossas cidades se tornaram um aglomerado de problemas de ordem econômico-financeira, cultural e ambiental.
Temos muito que lutar pela promoção do diálogo entre os profissionais, os agentes sociais e a população para a solução dos problemas concretos das comunidades. Lutar pela implantação imediata da Lei da Assistência Técnica e gratuita aos cidadãos de baixa renda.
A sociedade está à véspera da 1ª eleição para o Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU, conselho este criado por Lei, em resposta aos anseios dos arquitetos e urbanistas e da sociedade em possuir um espaço e uma ferramenta importantíssima em prol do direito constitucional da habitação para todos e, conseqüentemente, do habitat digno.
Os arquitetos e urbanistas formam um dos segmentos profissionais que mais se destacaram, ao longo dos anos, nas lutas para tornar as cidades inclusivas. Dessa forma, este Conselho será o local onde discutiremos e lutaremos por uma cidade onde prevaleça o espaço universal, no qual a arquitetura e o urbanismo se transformem em poesia edificada e sejam entendidos e compreendidos por todo o ser humano que vislumbre a beleza por trás da natureza que percorre seu olhar. O olhar sobre a paisagem, as edificações, o espaço urbano e rural, moldado no ser humano, na verdade, na solidariedade, e na vida.
Onde estão os Arquitetos e Urbanistas? Estão entrando pela porta da frente neste novíssimo Conselho para construção conjunta com a sociedade de uma cidade mais humana, digna e inclusiva.
Arq. Eduardo Chiletto
Diretor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIC