Plano Diretor ou Plano de Ação? Quais são as cidades onde queremos viver?

Não vindo os gestores municipais e estadual, no histórico processo de urbanização dos municípios de Mato Grosso, a resguardar a vulnerabilidade da biodiversidade Mato-grossense que possui 03 (três) ecossistemas: Pantanal, Cerrado e Floresta Amazônica, a urbanização desenfreada sem planejamento passou a se configurar como uma das formas mais agressivas e de agravamento das patologias urbanísticas ao meio ambiente urbano e rural, afetando diretamente a qualidade de vida da população.

Como vimos na “parte 02” desse artigo, nesses municípios com população inferior a 20 mil habitantes, podemos dizer que existe uma governabilidade local caracterizada por desequilíbrios fiscais verticais, horizontais e baixa capacidade institucional, que resultam em um desenvolvimento “insustentável”. Então, um dos questionamentos que podemos aqui fazer é: A implantação de um Plano Diretor pode se configurar como um processo de Desenvolvimento Sustentável para estas cidades?

O Grito das Cidades….

Neste contexto de pequenos municípios, qual o papel dos gestores municipais e do Estado no processo de planejamento municipal? Qual a função e o que é um órgão de planejamento na perspectiva de um processo altamente politizado de construção de Plano Diretor?

Ainda que não tenhamos dados estatísticos consolidados, os processos e design de Planos Diretores que ocorrem no Brasil, e em especial no Estado de Mato Grosso, são em sua maioria realizados fora das administrações locais, por ONGs, OSCIPs, empresas, enfim, por outros agentes que não vivenciam cotidianamente os problemas locais urbanos e/ou não possuem vinculo direto com a gestão municipal.

Se agrava o quadro quando percebemos que municípios de médio porte em Mato Grosso não possuem renovação de seus quadros técnicos estáveis nos órgãos de planejamento e que os pequenos municípios, muitas vezes, nem quadros técnicos qualificados possuem.

Segundo dados do CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo, o Estado de Mato Grosso possui 2.047 (dois mil e quarenta e sete) arquitetos registrados. Desses somente 9% se encontram nos municípios com população inferior a 20 mil habitantes. Repito… 9%. Ou seja, segundo a Lei 12.378 de 31/12/2010 que regulamentou o exercício da Arquitetura e Urbanismo no Brasil e da Resolução 51, de 12 de julho de 2013, que dispôs sobre as áreas de atuação privativas dos arquitetos e urbanistas e as áreas de atuação compartilhadas com outras profissões regulamentadas, nos diz que é privativo dos arquitetos e urbanistas: a coordenação de equipe multidisciplinar de planejamento concernente a plano ou traçado de cidade, plano diretor, plano de requalificação urbana, plano setorial urbano, plano de intervenção local, plano de habitação de interesse social, plano de regularização fundiária e de elaboração de estudo de impacto de vizinhança.

Vejamos, desses 106 municípios que possuem população inferior a 20 mil habitantes somente 45 municípios possuem profissionais legalmente habilitado para coordenar um Plano Diretor, ou seja, 58% dos municípios pequenos não teriam condições de coordenar seus Planos Diretores com profissionais locais.

Mas qual o perfil desses 191 profissionais urbanistas para atuar em um processo de planejamento que ultrapassa a dimensão técnica e se amálgama nas questões sociais (filosofia, antropologia, sociologia, enfim… – aqui entendidas como aquelas relacionadas com a estrutura da sociedade, incluindo os conflitos e os interesses dos membros das comunidades, e que estão além do controle individual e, como por exemplo para citar algumas: pobreza, violência, poluição, injustiça, supressão dos direitos humanos, discriminação e criminalidade) e ainda a dimensão política?

E como resolver essa situação excêntrica já que os municípios, independente da sua população, necessitam ter um plano que direcione as questões sócio-econômico-ambientais urbanas e de infraestrutura, sem abrir mão da gestão local?

A resposta é simples e está no pertencimento e engajamento dos 15 (quinze) Consórcios Intermunicipais existentes no Estado, que como já dito na “parte 02” desse artigo, podem e devem implantar políticas de planejamento regional, à aplicação de funções regulatórias e à realização de serviços de interesse comum.

Mas temos que repensar os Planos Diretores da forma como vem se apresentando nos municípios como conhecemos, obrigatórios para os que possuem população acima de 20 mil habitantes (municípios médios e grandes). E concordo com o colega Flávio Villaça em seu artigo “As ilusões do plano diretor”, pois os mesmos também sofrem dos próprios tropeços por serem demasiadamente complicados e tecnicistas. E seu destino, por não terem a característica de um Plano de Ação, acabam por serem engavetados, colocados em prateleiras repletas de poeira pelas gestões que se sucedem, mesmo sendo Lei.

Planos Diretores deveriam ter o papel de direcionar a maneira como as cidades irão crescer a curto, médio e longo prazos, garantindo que sejam cidades inclusivas – boas – para todos seus habitantes viverem.

Em Mato Grosso os Planos Diretores existentes, na sua maioria, foram corrompidos desde o início do processo de construção, basicamente e principalmente pela relação das forças existentes, que nestas terras do Guarda-mor Pascoal Moreira Cabral, carecem, devem e precisam amadurecer no caminho da ética e do controle social, pelo sistema político vigente.

Isso seria possível? Qual desenho institucional é necessário para incorporar um processo participativo e de controle social?

E o que venha a ser um Plano de Ação?

Quando pensamos em cidades, muitas vezes, pensamos em um conjunto de edificações agrupadas, skyscrapers, carros circulando livremente, enfim….  Mas esquecemos do principal elemento integrante e fundamental das cidades, o componente que as define e que diferencia uma cidade da outra, que são as pessoas.

E quando se foca nas pessoas, a temática da sustentabilidade adquire uma perspectiva, um prisma e uma ótica única, pois passamos a agregar dois valores únicos que se chama história e cultura. Sendo assim, o Desenvolvimento Sustentável – entendido além do meio ambiente, ou seja, social, fiscal, institucional e econômico – passa a requerer a construção de cidades, como diz o vereador de Cuiabá, Arq. Abílio Brunini, para as pessoas. Cidades mais seguras, vibrantes, charmosas, sedutoras, encantadoras, fascinantes, interessantes e atraentes para se viver. Cidades singulares!!!

Se há problemas no dia a dia desses pequenos municípios multifacetados do Estado de Mato Grosso, que enfrentam grandes desafios em várias dimensões e que perpassam por questões urbanas, ambientais, econômicas, sociais e fiscais, acredito que as soluções desenvolvidas também precisam adotar essa perspectiva multifacetada e os gestores locais devem conhecer e escutar com mais atenção a sociedade e efetivamente elaborar um Plano de Ação dentro dos novos Planos Diretores, que aqui vou denominar de Plano de Gestão Contínuo de Desenvolvimento Urbano, que diferentemente dos tradicionais Planos Diretores, devemos trabalhar as cidades pequenas de modo singular, especial, único pois a relação espaço/tempo/sociedade é infinitamente distinta das cidades médias e grandes abarcadas pelos tradicionais Planos Diretores.

Desejamos aqui que os Planos de Gestão Contínuos de Desenvolvimento Urbano nos municípios com população inferior a 20 mil habitantes, possam ser efetivamente Planos de Ação que reflita as angustias, desejos e sonhos da sociedade.

O Plano de Gestão Contínuo de Desenvolvimento Urbano representa uma renovação de entusiasmo nas pessoas que querem discorrer a cidade de forma conectada e ver efetivamente seus problemas urbanos resolvidos, pois ele tem por escopo as ações a serem executadas, com o efetivo Controle Social.

Sendo assim, normalmente depois que se levanta o diagnóstico da cidade, foca-se em alguns temas, no Plano de Ação, que foram elencados pela sociedade como prioritários, tudo com o auxílio dos gestores municipais. Depois de identificados os temas que, mesmo prioritários, tiveram um desempenho ruim na fase de diagnóstico, priorizam-se esses temas usando a opinião pública para efetivamente elaborar as ações.

As intervenções propostas devem ser implementadas com o interesse e apoio público, o que, consequentemente, melhorará sua implementação e a sustentabilidade pelo acompanhamento popular das ações ao longo do tempo.

O Plano de Gestão Contínuo de Desenvolvimento Urbano se baseia na participação pública, na vontade da população e no controle social. As ações pactuadas e inseridas no Plano revelam a oportunidade para que as pessoas expressem suas opiniões e, por ter triagens em diferentes regiões da cidade, alcança pessoas que geralmente não participariam em outros tipos de fóruns promovidos pelo setor público.

A grande diferença entre os Planos Diretores tradicionais para população acima de 20 mil habitantes, e o Plano de Gestão Contínuo de Desenvolvimento Urbano, aqui proposto para municípios de menos de 20 mil habitantes, está na participação efetiva da população e controle social, inclusive nas parcerias com Órgãos de Controle como por exemplo o Tribunal de Contas do Estado e Assembleia Legislativa para a aplicabilidade efetiva, acompanhamento e monitoramento das ações do Plano, por parte dos gestores municipais. É basicamente pensar em um plano simples, mas efetivamente de ações e que não se submerja em tecnicismos e burocracias, e que coloque com firmeza os princípios e os anseios elencados com a participação da sociedade e de uma urbanização democrática e socialmente justa.

Exemplificando: Corroborando mais uma vez com Flávio Villaça, posso aqui afirmar que a grande diferença entre os Planos está entre a minoria da população que atuou no debate dos interesses da minoria, e a ínfima minoria da população que compareceu e quase nada debateu sobre os problemas de interesse da maioria da população, mas que fez valer em detrimento dos interesses da sociedade, os interesses de grupos financiadores da política local.

Desta forma, com a efetiva participação da Opinião Pública e do Controle Social, conseguiremos incorporar as perspectivas e expectativas dos diversos grupos que compõem a sociedade, e não somente de alguns, no processo de priorização das áreas que vão fazer parte do Plano de Ação do Plano de Gestão Contínuo de Desenvolvimento Urbano dos 106 municípios com população inferior a 20 mil habitantes no Estado de Mato Grosso.

E volto a dizer que não podemos esquecer, e seria um grande erro faze-lo, da escassez de recursos orçamentários. E por este motivo, existe a necessidade de priorizar os temas e indicar onde é melhor alocar os recursos. Ou seja, na pactuação com a sociedade deve-se implementar alternativas de priorização e quantificar os benefícios sócios-econômicos-ambientais que resultarão da intervenção e quais delas trarão mais ganhos para a sociedade, incluindo nessa análise, além dos benefícios financeiros, as externalidades sociais.

Fator de extrema importância na implementação das alternativas de priorização está relacionada a questão econômica. Se sugere relacionar a cada um dos temas elencados como prioritários o fator econômico no PIB – Produto Interno Bruto da cidade, com a capacidade de geração de trabalho, emprego e renda, e com a potencialidade de aumento da competitividade.

Mas afinal, quais são as cidades onde queremos viver?

Particularmente eu gostaria de viver em uma cidade que efetivamente houvesse um Plano de Gestão Contínuo de Desenvolvimento Urbano, como elencado no texto, no qual a população participasse ativamente do processo, os gestores respeitassem as Leis de Uso e Ocupação do Solo, o ordenamento territorial somados a ações executivas, como obras integradas de urbanização em áreas carentes e/ou que possuam desigualdade urbana e que houvesse efetivamente Controle Social.

Uma cidade com saneamento básico (água, esgoto, drenagem e destinação correta dos resíduos sólidos), habitação digna, mobilidade e acessibilidade urbana. Gestão administrativa eficiente e proba – com capacitação dos gestores municipais, enfim, uma cidade onde a sociedade efetivamente participasse do processo de (re) construção e onde o Desenvolvimento, aqui elencado como social, econômico, ambiental, fiscal, de eficiência energética, enfim, o desenvolvimento cultural, seja realmente um desenvolvimento que podemos chamar de Desenvolvimento Sustentável.

E onde estão essas cidades contemporâneas em Mato Grosso que poderíamos denominar, pelas atuais circunstâncias políticas e econômica que assola nosso País e no nosso Estado, de utópicas, virtuais e ilusórias?

Resposta: Estão distribuídas nos 15 (quinze) Consórcios Intermunicipais…. Estão nos 106 municípios com população inferior a 20 mil habitantes. Ávidas para que possamos iniciar e implementar os Planos de Gestão Contínuos de Desenvolvimento Urbano, em parcerias com a PAGE – Partnership for Action on Green Economy, através do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a AMM – Associação Mato-grossense dos Municípios, a AL-MT – Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso e o TCE – Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, para efetivação de cada Plano de Gestão Contínuo de Desenvolvimento Urbano Municipal e Regional (Consórcios Intermunicipais) a serem criados com o efetivo Controle Social.

Ahhh!!!…. E não são cidades utópicas, virtuais ou ilusórias…. Basta querermos e advirá.

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About Eduardo Cairo Chiletto

Arquiteto e Urbanista - Presidente da Academia de Arquitetura e Urbanismo-MT. Coordenador Nacional de Projetos da PAGE - Brasil (2018 - 2023). Secretário de Estado de Cidades-MT (2015-2016)... Conselheiro e Vice-presidente do CAU/MT - Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso (2015-2017)
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