Desenvolvimento Sustentável: Habitação Ribeirinha Pantaneira (Parte 01)

Habitação tradicional pantaneira de taipa de mão assentada ao rés do chão. Fonte: do autor

O Pantanal é famoso por sua abundante biodiversidade e seu complexo ecossistema. É uma região de tradições históricas, pois se situa no limite entre a colônia portuguesa e espanhola, no Tratado de Tordesilhas, nos estágios iniciais de expansão Ibérica.

Declarado no ano de 2000 como Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera pela UNESCO, o Complexo do Pantanal, situado no Brasil, é um ecossistema com cerca de 250 mil km² de extensão, e altitude média de 100 metros, situado no sul de Mato Grosso e no noroeste de Mato Grosso do Sul.

Também engloba, no seu todo, o norte do Paraguai e leste da Bolívia (que é chamado de Chaco Boliviano).

Possui uma das mais importantes zonas úmidas tropicais do mundo, sendo atualmente conhecida pela ameaça que vem sofrendo a conservação da sua biodiversidade, tendo atraído crescente atenção internacional e pesquisas nas questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável da região.

Sendo assim, e visto a apropriação deste espaço pelos não ribeirinhos para edificações não autóctones, ameaçando a conservação e sua biodiversidade, focou-se neste discorro  atendo-se ao tema Habitação Ribeirinha Pantaneira, com o intuito de contribuir para a sustentabilidade ambiental na região, com a intenção de indagar sobre o impacto da construtibilidade e de desempenho ambiental relevantes para as edificações locais, inclusive autóctones, conforme explicitados na Agenda 21[1].

Para tanto escolhi, para contextualiza esse colóquio, uma habitação ribeirinha pantaneira dentre tantas outras da região de igual concepção, como estudos para desenvolver esta prosa.

No decorrer desta conversa será proposto não seguiu apenas a linha do raciocínio racionalista crescente da ciência contemporânea, pois se trata de esboço no Pantanal de Mato Grosso que envolve diretamente o “modus vivendi” do homem e seu habitat pantaneiro, o qual requer hábitos de exploração que entrelacem o raciocínio racionalista ativo contemporâneo aos saberes popular, neste caso específico à arquitetura vernacular.

Em nosso colóquio, a “ciência” do conhecimento do ribeirinho pantaneiro será denominada como “poética do espaço”, pois este saber está intimamente entrelaçado aos aspectos do lugar onde ele vive – fatores bióticos – ou seja, a todos os elementos causados pelos organismos em um ecossistema que condicionam as populações que o formam. Assim com também o são aos fatores abióticos, como a luz, a temperatura e o vento – aspectos físicos – que influenciam o homem pantaneiro na ocupação territorial e na construção da sua habitação neste ecossistema complexo do Pantanal de Mato Grosso.

A reflexão que se faz necessária sobre nossa avaliação, cuja ilustração se deu ao longo de décadas neste cenário, integrou-se e abrigou um corpo de ideias de tal forma que o pensamento científico longamente trabalhado se concretizou através do remanejamento profundo à imagem poética no processo cognitivo, necessário neste caso à ciência que se estuda, como nos revela Silva (2009): A filosofia e a ciência moderna se alimentam destas transformações e concepções, cujos “saberes advindos da física e da biologia obtiveram ascensão e foram legitimados como detentores do conhecimento verdadeiro, do real e, portanto, capazes de explicar o humano”.

A valorização do homem pantaneiro, como construtor do seu habitat, no processo de gestão ambiental do Pantanal de Mato Grosso, pode ser entendido ao citar Foucault (2002) que nos revela que as manifestações culturais de uma sociedade são caracterizadas por momentos históricos o qual formam uma estrutura fechada denominada epistême, e que os saberes estão à margem das disciplinas estabelecidas, ou seja, fora do domínio científico e podem trazer grande contribuição à ciência “se o pesquisador estiver aberto a superar os limites disciplinares estabelecidos pela ciência moderna”

Nesse aspecto Carvalho (2004, p.116) alega que: “… Somos seres de nosso tempo e, por isso, marcados por essa tradição do pensamento ocidental. Tal maneira de pensar o mundo, a qual tem sido denominada de paradigma moderno, entrou em crise justamente por não conseguir responder aos novos problemas teóricos e práticos que permeiam a vida contemporânea, entre os quais os ambientais.”

Partindo dessa premissa, a sabedoria vernacular pantaneira surge à margem da trajetória do conhecimento científico, problematiza as teorias existentes da ciência moderna, se tornando indispensável aos paradigmas do conhecimento, no qual pode ser traduzido na habitação tradicional ribeirinha pantaneira da região de Poconé que, ao invés de servir de manifestação de design suntuoso, passa como a camuflagem de um SILIMBU[2] pelo ambiente, pois além de possuir escala humana ilibada, o processo construtivo adaptado ao ambiente natural é tão importante quanto à natureza que o cerca, o que o leva a uma sobriedade lúbrica de extrema gentileza.

Habitação ribeirinha pantaneira as margens do Cuiabazinho. Foto do autor (2012).

Quando, ao longo deste texto se mencionar o vernáculo pantaneiro (imagem poética) e/ou a ciência propriamente dita, não se deve esquecer que a relação entre ambos não é casual no pantanal. Ela se entrelaça feito planta trepadeira pantaneira e se funde com madeira e barro – taipa de mão – estabelecendo um único corpo de ideias compondo um ser próprio, constituindo-se na execução em conjunto de unidade de saber antológico.

Pantanal é onde o tempo passa devagar.
Onde o passado teima em ficar.
Onde a vida se leva a sonhar.

Tudo em ti é beleza, divindade de águas.
Musicalidade no silêncio das vidas deslembradas.
Caminhos que me penetram a garças.

Casas de paus e barros,
Esplendor de nobreza levitando sobre águas,
Acocoram-se ao entardecer.

Pássaros pousam no beiral.
Útero e abrigo, âmago da vida.
Oratório envolto de luz e paz.[3]

Com este “entusiasmo criador” acima, procurei expressar a estima do cotidiano da vida do pantaneiro ribeirinho por sua morada, cuja imagem do espaço habitado traz a essência da noção de casa. Por conseguinte, todos os abrigos, todos os refúgios, todos os aposentos têm valores oníricos consoantes, possuidores de um passado que guarda o tesouro de dias antigos. Em suma, o ser abrigado sensibiliza os limites do seu abrigo, construído de paus e barros.

Entretanto, deve-se esclarecer neste caso a relação entre a sabedoria construtiva do homem pantaneiro e os dados científicos – inventário dos materiais, sistema construtivo, análise térmica, detalhamento projetual, e outros….

Assim, pelo menos uma pergunta se faz necessária: Se modificarmos a forma de apropriação da habitação por outro homem pantaneiro local, com o propósito de descobrir estruturas essenciais da concepção arquitetônica vernacular, o novo dado (concepção) se altera em relação à edificação que se pretende meditar?

Ao analisar esta imagem fora de qualquer tentativa de interpretação pessoal, a fim de descrever os fundamentos, as condições, as leis, a estrutura básica, as causas ou princípios primeiros, bem como o sentido e a finalidade da realidade como um todo, poder-se-á responder a pergunta, fazendo outra: Há uma diferença fundamental entre o pensar vernacular de cada pantaneiro ribeirinho e os materiais disponíveis?

Tudo está em permanente mudança e há coisas e relações que, a despeito de todas as mudanças aparentes, permanecem sempre idênticas no Pantanal. Assim o é a forma de apropriação do espaço construído pelos pantaneiros ribeirinhos.

Percebe-se então que a transubjetividade – a indicação da capacidade de representação do mundo externo real (social) – da arquitetura vernacular pantaneira possui uma simbiose, em sua essência, com os dados ponderados. A fenomenologia desta imagem pode nos ajudar a medir a amplitude e o sentido, no contexto cognitivo e no estudo dos materiais escolhidos e utilizados pelo pantaneiro ribeirinho na concepção e construção da sua habitação.

(Continua em Desenvolvimento Sustentável: Habitação Ribeirinha Pantaneira (parte 02).

[1] “Definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica”. “É um processo de planejamento participativo de um determinado território que envolve a implantação, ali, de um Fórum de Agenda 21. Composto por governo e sociedade civil, o Fórum é responsável pela construção de um Plano Local de Desenvolvimento Sustentável, que estrutura as prioridades locais por meio de projetos e ações de curto, médio e longo prazos. No Fórum são também definidos os meios de implementação e as responsabilidades do governo e dos demais setores da sociedade local na implementação, acompanhamento e revisão desses projetos e ações”. Em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21. Acesso em 12/06/2013.

[2] Silimbu: O gênero de répteis Tupinambis, da família Teiidae, chamados vulgarmente teju ou teiú, compreende os maiores lagartos do mundo podendo atingir até 1,50 metros de comprimento. Espécie endêmica, “frequentadora da mata ciliar” do Pantanal de Mato Grosso.

[3] Autoria própria (Eduardo Cairo Chiletto): Homenagem póstuma a Lourenço F. de Oliveira… Um homem que locupletou o Pantanal de Mato Grosso na sua incompletude. Abriu as portas da sua singela e digna morada para me ensinar um pouco mais sobre a poética pantaneira e realizarmos importantes e imprescindíveis estudos para desenvolvermos este colóquio.

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About Eduardo Cairo Chiletto

Arquiteto e Urbanista - Presidente da Academia de Arquitetura e Urbanismo-MT. Coordenador Nacional de Projetos da PAGE - Brasil (2018 - 2023). Secretário de Estado de Cidades-MT (2015-2016)... Conselheiro e Vice-presidente do CAU/MT - Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso (2015-2017)
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