Centro Histórico de Cuiabá: A Revolução Urbana que virá!

Manifestantes, banda e bonecos animaram a manhã no centro histórico de Cuiabá. Foto: Vanessa Brito

O movimento coordenado pela Prefeitura Municipal de Cuiabá, para os 300 anos da nossa capital, denominado “Por Amor ao Centro Histórico”, deverá marcar o início de uma nova era de desenvolvimento urbano em Mato Grosso.

Buscando identificar os elementos-chave para fazer do centro uma verdadeira Pomona [1] de espaços prósperos, amigáveis e saudáveis, a atual gestão da Prefeitura Municipal de Cuiabá acredita na ideia que os cidadãos devem ter uma palavra para dizer sobre a forma de como nosso Centro Histórico deve ser revitalizado e organizado de maneira mais salutar e inclusivo. Como a atual gestão, neste Projeto dos 300 anos, pode tornar nosso Centro Histórico algo mais próximo dos nossos desejos…. Dos nossos sonhos.

A área central de Cuiabá, mais especificamente o que hoje denominamos de Centro Histórico Tombado, foi o coração da nossa cidade por mais de dois séculos e meio. Ela foi o pilar do desenvolvimento de Mato Grosso. Foi o ponto de partida para conseguirmos o impacto positivo no desenvolvimento e bem-estar de toda a nossa cidade.

Preteritamente muito se falou sobre a “revitalização” do Centro Histórico de Cuiabá, mas pouco ou quase nada sobre sua “gestão”.

As discussões se polarizam entre dois opostos: Os que defendem o Centro Histórico com a revalorização de um tecido urbano que possui raízes históricas e que um dia foi pujante, mas que hoje se encontra mortificado e muitas edificações se encontram em ruínas, e aqueles que apoiam um processo de transformação do Centro Histórico de Cuiabá em um “simulacro” da vida pregressa, voltado aos turistas, com simples pinturas e restauração das cascas das fachadas, sem efetivamente dar uso ao seu interior e/ou deixando-o para um segundo momento.

Esses grupos, pelo que percebo e espero estar equivocado, não vislumbraram ainda que o Centro Histórico de Cuiabá precisa de um projeto de gestão…. Sim, gestão coordenada por arquitetos, desenvolvido e envolvendo uma rede de diversos atores das mais variadas áreas do saber, em uma conjunção política de investimentos e zoneamentos que abarquem por exemplo: empreendedorismo para o comércio e serviços, ensino, desenvolvimento e progresso imobiliário, climatologia e tecnologias ambientalmente compatíveis que dialoguem entre si e com este importante acervo urbanístico e, entre muitos outros, a divulgação nas escolas dos valores históricos e artísticos.

Nossas vidas, assim como as cidades, possuem uma dinâmica própria e evoluem. Diversos Centros Históricos na Europa – Paris (França), Sevilha e Barcelona (Espanha), Londres e Manchester (Inglaterra) e Dublin (Irlanda), por exemplo, assumiram uma dinâmica própria e conforme a recomendação de Nairóbi – criada pela UNESCO em 1976 –  preservam o “conjunto”, não o pontual (acupuntura), compatibilizando a preservação com elementos contemporâneos oriundos das exigências dos habitantes e daqueles que utilizam o centro.

E como bom exemplo de intervenção podemos citar a pirâmide do Museu do Louvre, que foi apoiada pela administração local, associações de moradores, associações comerciais e órgãos técnicos de preservação, planejamento urbano e ambiental.

Pirâmide do Museu do Louvre. Projeto de autoria do arquiteto I.M. Pei. Fonte: http://www.cultart.it/consigli-per-la-visita-louvre-cosa-vedere-opere/

A “Carta de Petrópolis” escrita no 1º Seminário Brasileiro para Preservação e Revitalização de Centros Históricos estabeleceu: [….] Sendo a polifuncionalidade (habitação, comércio, serviços – grifo nosso) uma característica do SHU – Sítio Histórico Urbano, a sua preservação não deve dar-se a custa de exclusividade de usos, nem mesmo daqueles ditos culturais, devendo, necessariamente, abrigar os universos de trabalho e do cotidiano, onde se manifestam as verdadeiras expressões de uma sociedade heterogênea e plural. [….]

Devemos salientar que em intervenções de restauro, principalmente quando há necessidade de revitalização do patrimônio histórico urbanístico, não se espera que tal intervenção seja um “simulacro da construção existente” e nem um “fundo neutro”, mas sim uma intervenção contemporânea que possa dialogar com as edificações históricas e seu entorno, e que possa trazer, sobretudo, nova dinâmica para a área.

Ou seja, é a contemporaneidade da sócio-economia – neste nosso caso – que é a geradora de atividades culturais e o seu uso diversificado trará segurança e “habitabilidade” para nosso Centro Histórico que hoje se encontra “estagnado”.

Edifício Sede do Porto da Antuérpia, último projeto concluído de autoria da arquiteta Zaha Hadid.

Atualmente Cuiabá é cada vez menos definida pelas suas características urbanas materiais, como, por exemplo, a denominação “Cidade Verde”, visto a impermeabilização paulatina dos quintais e as constantes “podas predatórias” das árvores em nossas calçadas, sendo substituídas por postes com fiação elétrica/telefonia/lógica, que geram poluição visual.

Entretanto e em contrapartida as características simbólicas se encontram fortemente enfatizadas e arraigadas na poética do espaço do Centro Histórico.

Antiga Gráfica Pepe, edifício vazio, Rua Sete de Setembro, Centro – Foto: Maria Bárbara Thame Guimarães

Se me perguntarem qual o benefício mais precioso de revitalizar o Centro Histórico eu direi: Ele abriga a história, o idealismo do Cuiabano e dos que para cá vieram morar. O Centro Histórico de Cuiabá inspira e protege aqueles que sonham…. Poetas, escritores, pintores, artistas plásticos, arquitetos…. E ainda permite que cada cidadão possa sonhar em paz.

Em suma, o nosso centro histórico se tornou fenomenologicamente uma arte, adquirindo tamanho relevo que o espaço vivido e percebido pelo cidadão que lá transita não é indiferente. Ele possui características e identidade própria.

E desta forma, com meus cabelos brancos adquiridos com a vida, deixei de ser somente crítico ou analítico, e passei a filosofar….  Assim, pretendo aqui nesta prosa lhe instigar para que você leitor encontre sozinho e ao mesmo tempo, uma imagem, um símbolo e um conceito, o qual você possa melhor enveredar pelo nosso Centro Histórico e nesse extraordinário espaço vivenciado pelas famílias de outrora e as poucas que ainda vivem próximas e no “Largo da Mandioca”, possa encontrar sua resposta para a pergunta: qual o benefício mais precioso de revitalizar o Centro Histórico de Cuiabá?

Então vamos lá…. Sem romantizar, o que era a urbanização de Cuiabá na sua fundação em 1719 e que ficou praticamente estagnada até o início do século XX?

Basicamente a urbanização era compacta e a população urbana era governada por uma política – um poder político efetivo – e concentrado no Centro Histórico e entorno. Mas a partir das décadas de 1970 e 1980 verificou-se uma dispersão via suburbanização, originando uma cidade espalhada.

Penso que a dispersão da cidade, inclusive com construção do CPA aliada, a época, a uma não política de reocupação do centro de Cuiabá, e ainda mais recentemente com a atual ocupação espacial segregada, fragmentou a possibilidade de uma vida urbano-política conexa e a ideia de uma cidade com espaço de convivência mútua para todos, se perdeu.

As pessoas não querem viver perto de pessoas que parecem diferentes, não querem conviver com pessoas de classe social diferente da sua, preferem com algumas exceções, a segregação. Ou seja, as sociabilidades mudaram.

E nosso Centro Histórico é o maior exemplo desta mudança, por ter sido um espaço essencialmente de convivência social. Ele (Centro Histórico e entorno) é a rua onde outrora as crianças brincavam, onde a noite se faziam serenatas e serestas, e onde as pessoas se encontravam para prosear e namorar ao luar, e quando não, sob o céu de Cuiabá.

Eu acredito que a subjetividade urbano-política que tem sido empregada com o espalhamento da nossa cidade, com a criação dos condomínios fechados e shopping centers, é uma subjetividade fragmentada em que nenhum desses lugares é capaz de envolver a totalidade da cidade. Ou seja, a totalidade de um processo urbano como algo efetivamente voltado para a convivência social.

Por este motivo, acredito, que o projeto “Por Amor ao Centro Histórico” seja uma mudança de paradigma no planejamento urbano para o nosso Centro Histórico. E graças a algumas poucas e ilustres personalidades, como por exemplo o saudoso Arquiteto Júlio De Lamônica Freire – iluminado oxalá pelo Nosso Senhor Bom Jesus de Cuiabá – que lutou pelo tombamento e a preservação da nossa cultura, advirá uma verdadeira Revolução Urbana para nossa querida cidade.

O projeto urbano-político para nosso Centro Histórico, a meu ver, deverá partir da reconstrução do corpo urbano da cidade sustentável que queremos. E que cidade seria esta?

Acredito que uma cidade com história – referências são importantes na vida de todos nós; uma cidade contemporânea e sustentável – pois vivemos em um mundo globalizado de presença humana, de vida; e ainda uma cidade que possua raízes culturais profundas e sólidas – pois todos nós possuímos raízes.

Royal Ontario Museum, de Toronto. Estrutura do arquiteto Daniel Libeskind foi adicionada nos anos 2000 ao museu que começou a ser construído em 1912. Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/09/13/Quando-a-arquitetura-contempor%C3%A2nea-invade-%C3%A1reas-hist%C3%B3ricas

Manter o Centro Histórico de Cuiabá inerte, como hoje se encontra, com projetos e obras que denomino de “acupuntura urbana”, é fadá-lo a continuar a ruir, por não haver simbiose entre o que é histórico e o contemporâneo.

Por Amor ao Centro Histórico”, precisamos deste Projeto de Gestão que envolverá todo o centro que foi tombado…. Tombado pelo que considero o mais  importante órgão de patrimônio histórico e artístico existente no Brasil, o IPHAN.

 

[1] Na mitologia romana, Pomona é a deusa da abundância e dos pomares.

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About Eduardo Cairo Chiletto

Arquiteto e Urbanista - Presidente da Academia de Arquitetura e Urbanismo-MT. Coordenador Nacional de Projetos da PAGE - Brasil (2018 - 2023). Secretário de Estado de Cidades-MT (2015-2016)... Conselheiro e Vice-presidente do CAU/MT - Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso (2015-2017)
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