Mangueira: Quem homenageou quem?

Visto o desfile realizado pela Mangueira fica uma pergunta que não quer se calar: Foi o G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira que homenageou Cuiabá ou foi a cidade de Cuiabá, elevada no dia 1º de janeiro de 1727 à categoria de vila com o nome de Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, que homenageou a Mangueira, no Sambódromo de Oscar Niemeyer, na Sapucaí?

Patrocinando o enredo “Cuiabá: Um Paraíso no Centro da América!” a prefeitura de Cuiabá desembolsou dos cofres públicos, segundo notícia vinculada pela mídia local, R$ 3,6 milhões, a meu ver para se auto-homenagear.

Como na mitologia grega, o Deus Éolo é quem comandava os ventos para cada direção cardinal, e acredito que temos o direito e dever de propagar aos mesmos quatro ventos as belezas e cultura da nossa querida cidade. É claro, sem esquecer que na mitologia grega, Cécias é o deus responsável pelo vento predominante na nossa capital, pois Cécias é o vento nordeste. Valorizar e divulgar a cultura são importantes para um povo, não é verdade?

Pois bem… Retornemos à nossa Cidade Verde.

A despeito de toda a divulgação proporcionada pela tradicional Mangueira, mostrando ao Brasil e ao mundo uma capital do interior do país, no Centro Geodésico da América do Sul, será que efetivamente foi divulgado o “paraíso” e nossa cultura no enredo da Estação Primeira?

Gerou-se uma expectativa positiva no início do desfile, ao citar a obra do cuiabano Fernando Tadeu “Esperando o Trem: Sonhos e Esperanças de Cuiabá”. Todavia, a escola não se aprofundou em conteúdo tão profícuo disponível.

Onde foram parar nosso Siriri e Cururu? O rasqueado cuiabano de Vera e Zuleika, Vera Capilé e outros grandes artistas, homens e mulheres, que com sua cultura musical influenciada pela vivência com as fronteiras do Paraguai, permitiram “a fusão melódica que construiu nosso rasqueado com o som das rezadeiras, com o siriri, a viola de cocho, o ganzá nas influências da bacia pantaneira”? E Dunga Rodrigues?… Uma revolucionária do seu tempo, professora, membro da Academia Mato-grossense de Letras… Cuja irreverência e simpatia encantava a todos?

Não percebi nos carros alegóricos ou em qualquer ala nada que retratasse a pintura… Adir Sodré, Jonas de Barros, Gervane de Paula, João Sebastião e muitos outros importantes artistas e escultores que os cuiabanos e os “paus rodados” possuem em suas casas em lugar de honra e que são constantemente elogiados pelos que aqui visitam, foram esquecidos… Nossa pintura foi esquecida ao som dos tamborins e da “bateria surdo um”.

Já ia me esquecendo… Nosso “tchá cô bolo”, a forma carinhosa do linguajar cuiabano legítimo, que Dona Eulália há 52 anos serve, ou quem sabe na “Casa de Dona Bem Bem”, mas que na ala da Estação Primeira de Mangueira, pela Rede Globo, virou: “bolo de arroz com café”… Triste aculturamento!!!!

Não poderia deixar de citar a literatura, nossa poesia, crônica e críticos de artes com: Manuel de Barros, Moisés Martins, Ivens Scaff, Dom Aquino Correa, Lenine Póvoas e Aline Figueiredo… E o nosso teatro com Nico e Lau e principalmente nosso saudoso e irreverente, em sua arte única e crítica com os políticos… O inesquecível Liu Arruda.

É… Parece-me que foi Cuiabá com nossos R$ 3,6 milhões que homenageou a Mangueira, viabilizando seu desfile elegante e bonito, com lindas fantasias e carros alegóricos, mas pouco “paraíso” e cultura cuiabana.

O trem da Estação Primeira passou e Cuiabá ficou nos trilhos, com nossa “Moreninha Cuiabana”, que foi à Prainha esperar o VLT chegar… Que pena!!!!

Arq. Eduardo Chiletto
Conselheiro Federal do CAU
Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil

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About Eduardo Cairo Chiletto

Arquiteto e Urbanista - Presidente da Academia de Arquitetura e Urbanismo-MT. Coordenador Nacional de Projetos da PAGE - Brasil (2018 - 2023). Secretário de Estado de Cidades-MT (2015-2016)... Conselheiro e Vice-presidente do CAU/MT - Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso (2015-2017)
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8 Responses to Mangueira: Quem homenageou quem?

  1. CARO Eduardo, como bom Carioca, voce demonstra entendimento da alma Cuiabana, parabens uma bela e sutil reflexao!!!

  2. Avatar de José Maria de Andrde José Maria de Andrde disse:

    Excelente. Seria interessante trazer a discussão o quanto os jornalistas também são desinformados. Alguns foliões então nem se fala. A rede Globo pecou também por não ter se preocupado em convidar alguém que soubesse da nossa riquíssima cultura. Seria indispensável a sua presença já que poucos sabiam muito pouco da nossa querida Cuiabá. Por outro lado, tentando interpretar friamente a situação e como se não fosse um morador apaixonado, ví um belo desfile. Para muitos de nós, que tiveram a experiência única de estar na Sapucaí, desfilando mesmo que tenha sido numa ala menos importante, vai ter o que contar por muito tempo.

    • Grande Zé Maria!!!!
      Realmente o despreparo dos comentaristas para um evento mundial como é o nosso carnaval, nos deixa estupefato.
      Mais ainda o carnavalesco que interpreta nossa cultura a seu bel prazer… A tal noiva cadáver e as bonecas de pano, não sei da onde ele tirou!!! Se tivesse mostrado as rendeira, poderíamos dizer que se equivocou com o aglomerado Cuiabá/Várzea Grande… Mas noiva cadáver é demais!!!
      Quanto a desfilar… Você tem toda a razão amigo Zé… A experiência é única independente da escola.
      Obrigado pelo comentário… 🙂

  3. Avatar de Lourdes Regina Reami Lourdes Regina Reami disse:

    Eduardo, sutis palavras a grande decepção.
    Ao assistir a entrada da mangueira com a história dos bandeirantes e tudo mais, animei, no decorrer minha expectativa foi-se, senti falta das cores, das flores, dos traços cuiabanos, do verbo arrastado e do que realmente vivenciamos e vivemos.
    Como apaixonada por nossa terra e nossa cultura sinto dizer, mas faltou muito para me emocionar. E o que é a paixão sem emoção?

  4. Avatar de José Antonio José Antonio disse:

    Chiletto,
    A Escola de Samba é a Ópera moderna, inventada no Rio de Janeiro, a Sapucaí seu principal palco e a Mangueira a maior e mais tradicional das Escolas brasileiras. Cuiabá ter sido o enredo em um dos carnavais mangueirenses sem dúvida é uma homenagem para qualquer cidade, com seu nome cantado por quase 100 mil pessoas empolgadas na Sapucaí para o Brasil e o mundo por mais de 1 hora e 30 minutos. Foi uma interpretação artística da maior qualidade de como a Mangueira via Cuiabá quando preparou seu enredo. Podia ser melhor? podia; alguns detalhes poderiam ser acertados? podia; alguns nomes poderiam ter sido citados, como das nossas Vera e Zuleika? Podia (neste caso até devia). Mas no conjunto da obra me emocionei com tanta beleza e achei que até podia ter atrasado mais.
    Abs José Antonio

    • Panem et circenses… Desculpe Zé… Respeito muito o colega e seu ponto de vista, mas… A história se repete… A política do pão e circo que tem origem na Sátira X do poeta romano Juvenal (100 dC) e que no seu contexto original, “criticava a falta de informação do povo romano, que não tinha qualquer interesse em assuntos políticos, e só se preocupava com o alimento e o divertimento”. Era a forma e o modo pelo qual os líderes romanos lidavam com a população, para mantê-la fiel ao “status quo” e, desta forma, conquistar o seu apoio. E neste momento o que vemos, foi exatamente isso!!! Com a agravante de ter deturpado nossa cultura “cantado por quase 100 mil ” como o colega disse. Para mim, esse “pau rodado” que tem o título do cidadão Mato-grossense, mas que se preocupa com nossa cultura… Foi um disparate.
      Mas como não sou Cuiabano… Fica somente minha pequena contribuição.

  5. Avatar de Cássia Abdallah Cássia Abdallah disse:

    Eduardo, perfeito seu comentario crítico…. Também esperei mais do enredo! Mas, como tenho dito, fiquei tão emocionada ao escutar o nome “Cuiabá” na Marquês de Sapucaí q confesso não ter prestado mta atenção nos detalhes! Acho q o povo cuiabano q estava desfilando ou assistindo no sambódromo conseguiu expressar toda sua alegria que me contagiou…. E nesse embalo eu fui!!!! Tenho certeza q poderia ser muito, mas muito superior. Temos história e cultura pra dar de sobra!

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