“Cuiabá vive uma efervescência, como há muito não se via, o melhor momento econômico de sua história”, se entusiasmam muitos…
Será?
Prestes a completar seus 294 anos, escutamos e lemos nos jornais da Cidade Verde – já não tão verde assim, depois da derrubada de árvores decenárias para construção das “obras de acessibilidade da Copa” – que a mesma vive seu terceiro salto de desenvolvimento, o “salto da qualidade”.
Por acaso esse “salto qualitativo” está proporcionando a valorização do que temos de melhor, que é a nossa cultura? Esse “salto” valoriza o ensino básico e fundamental? A saúde? A segurança pública?
Que salto de qualidade é esse? E para quem efetivamente ele se oferece? Até o presente momento desconheço, por exemplo, a existência de um Plano Diretor de Mobilidade e de Integração dos Diversos Modais (VLT/ônibus/bicicleta/transporte fluvial/transporte aéreo) que viabilize o acesso da população trabalhadora dos cerca de 70% dos bairros irregulares e de baixa renda existentes na nossa capital ao trabalho, estudo, lazer e cultura.
Acabamos de realizar uma pesquisa nas 04 (quatro) sub-regionais da Prefeitura de Cuiabá, a saber: Norte, Oeste, Leste e Sul para o Plano Local de Habitação de Interesse Social – PLHIS e que envolveu representantes comunitários dos 70 (setenta) bairros mais carentes.
O resultado do trabalho, para Cuiabá que nasceu às margens de um córrego repleto de pepitas de ouro, a cidade, segundo o professor Arq. José Antônio Lemos “… célula-mater do oeste brasileiro, mãe original de tudo o que sucedeu neste ocidente do imenso Brasil, mãe de cidades e estados…”, se revela nada fulgurante ou mesmo resplandecente daquele ouro, resultado do descaso e má gestão de administradores públicos ao longo de anos.
Nas reivindicações feitas pela população de baixa e baixa/média renda, o que se evidencia, não são as expectativas, os sonhos, os devaneios, mas a necessidade de se garantir o básico a qualquer ser humano, cujo habitat é a cidade, ao que ainda não tiveram acesso: 61,4% reivindicam asfaltamento e calçamento; 54,3% saneamento básico e 47,1% regularização fundiária.
Na sequencia temos ainda como exigência: Limpeza urbana, áreas de lazer, creche, abastecimento de água, moradia, posto de saúde, iluminação pública, centro comunitário e equipamentos comunitários.
Reparem caros leitores, que tirando a questão pessoal da moradia – déficit habitacional – a população reivindica ações relativas ao pertencimento à sociedade, ligadas ao conjunto da população, ao bairro e à cidade como um todo.
Então para quem efetivamente se oferece esse salto qualitativo e melhor momento econômico da história, se nossa quase totalidade de população não vivencia isto?
Para a corrupção nas esferas governamentais e para as grandes empreiteiras cujas obras, sem licitação de projetos arquitetônicos e urbanístico, contratadas pelo Regime Diferenciado de Contratação – RDC, com toda certeza esse salto econômico se oferece.
E para a população dos 209 bairros com pouca ou nenhuma infraestrutura? Resta a dengue, o descaso, poucos espaços culturais, praças sujas e sem cuidados, córregos imundos, casas em áreas de risco, ocupações irregulares em APP, péssimo transporte coletivo, pontos de ônibus sem cobertura, lixo espalhado nas ruas e praças, falta de sinalização nos bairros, e tantos outros problemas…
É… Mais uma vez nos sobrou “… tomar guaraná, chupar caju, comer banana… Passear com você…” – nas ruas esburacadas, sem saneamento e sem árvores – “… doce moreninha cuiabana…”.
É bem Mato Grosso!!!!!
Muito bom comentário, Cuiabá nasceu às margens do rio e deu as costas para ele, no meio da América do sul, paisagem deslumbrante e poética, que é descaracterizada dia a dia pela dita modernidade. Uma cidade crescendo para as pessoas? Em que escala se trabalha quando se pensa nas pessoas? Fica a dúvida.
Fernanda… Como sempre seus comentários são instigantes. Questões importantíssimas para serem debatidas pelos arquitetos e urbanistas e que poderiam e deveriam ser incorporadas pelo CAU/MT nas discussões plenárias.
Não queremos (CAU/BR) uma plenária onde somente se delibere sobre processos, mas um pleno onde se discuta arquitetura e urbanismo.
É isso aí Eduardo!Já começou o que já era previsível.Obras abandonadas que serão reiniciadas contratando empresas em caráter emergencial com dispensa de licitação.Bem que podia sair um aditivo para as ciclovias também.Vamos continuar acreditando que não passaremos vergonha por conta do descaso.Obrigado por adotar a nossa cidade com tanto carinho que sei que tem por ela.Abraços “ACORDA CUIABÁ CICLOVIA JÁ!”
Meu caro Chiletto,
É uma alegria tê-lo como leitor e ainda mais com o privilégio de seus comentários sempre estimulantes. Concordo totalmente com sua indignação quanto à situação que Cuiabá vive, em especial sua população. No meu artigo falo de um terceiro salto “previsto desde o final dos anos 80 para ser o salto da qualidade, impondo a seus líderes, administradores e cidadãos desafios seguidos e crescentes que exigem a compreensão correta de seu novo momento e o atendimento de renovadas e sempre ampliadas demandas por infraestrutura e serviços”. Essa compreensão só aumenta minha indignação com a situação presente, pois hoje como previsto Cuiabá está viva, dinâmica, cheia de recursos e potencialidades e tudo isso podia estar sendo distribuído e aproveitado por todos. E não está. Ao final do artigo cobro “um choque de adrenalina e competência que coloque cidadãos, líderes e dirigentes à altura da cidade que temos para enfim prepará-la para o Tricentenário com alta qualidade de vida, ainda mais bela, justa, democrática e sustentável”. Infelizmente a cidade institucional, ultrapassada, morosa, burocrática, provinciana, descolou totalmente da cidade real, moderna, globalizada, dinâmica, metropolitana. Culpa principalmente nossa, minha também, é claro, enquanto profissionais da Arquitetura e do Urbanismo, parcela da população especializada na questão das cidades e que deveria a meu ver ter cobrado a presença técnica do Urbanismo em uma gestão correta da cidade, não só em Cuiabá, mas na maior parte das cidades do Brasil, bem como alertado e esclarecido a população sobre as consequências das cidades não serem tratadas tecnicamente por quadros com competência legal e de formação para isso. Agora temos o CAU como esperança para sacudir, mas sacudir de verdade, resgatando o IAB, FNA e, mesmo, o sistema CONFEA-CREA para a retomada da cidade. Quanto aos problemas do presente descritos na sua pesquisa, só acredito que a gente vá consertá-los numa perspectiva de futuro. O presente é o passado que acabou de passar. Não vamos arrumar o presente olhando para o passado, mas para o futuro. Debruçados sobre o passado o futuro chega a todo instante e nos pega sempre em uma posição desfavorável. É enxugar gelo. Com localização privilegiada no centro do continente, felizmente Cuiabá ainda tem um futuro muito rico pela frente, a ser explorado com competência em favor da qualidade de vida de sua gente. Mas para isso é preciso de que a cidadania, inclusive nós profissionais da área, resgate a cidade como integralmente sua, e não só aquilo que sobra do banquete da politicagem que dominou o Brasil. Essa é uma verdade, não é devaneio . O futuro cheio de potencialidades de Cuiabá é o maior patrimônio legado pelos nossos antepassados. Temos que devolvê-lo ao povo. Cuiabá vive sim este terceiro salto, que deve ser o salto da qualidade, mas temos, nós todos, em especial os arquitetos e urbanistas, que transformá-lo em realidade, em qualidade de vida para todos, concordo com você.
Abs José Antonio