Plano Diretor para Municípios de Pequeno Porte: Por que isso é importante? (Parte 01)

Duas em cada três pessoas que vivem nas cidades latino-americanas estão em condições de pobreza. Esse fato, alinhado juntamente com a crescente importância do impacto do crescimento desordenado das cidades sobre o meio ambiente e a alta vulnerabilidade dos municípios de Mato Grosso que possuem população inferior a 20 mil habitantes e ainda apresentam evidentes limitações financeiras, nos obrigam a refletir sobre o conceito de sustentabilidade no desenvolvimento urbano e regional.

Conceber sobre um mecanismo legal que oriente a sociedade e o poder público municipal desses pequenos municípios, para a tomada de decisão adotando por base os interesses coletivos. Isso se quisermos evitar os graves problemas urbanos e ambientais (poluição do solo, recursos hídricos, poluição sonora e visual, surgimento de periferias urbanas desprovidas de infraestrutura e serviços de qualidade, entre outros…) que são identificados nas cidades medias e grandes do país com tal complexidade que as soluções se fazem onerosas e difíceis, sendo sempre a população penalizada. Esta constatação nos induz a algumas analises.

Mato Grosso possui 141 municípios dos quais 106 possuem população inferior a 20 mil habitantes. Isso significa que 75% deles, por lei, não são obrigados a possuir Planos Diretores.

Mas afinal o que é um Plano Diretor?

Ele “é um dos instrumentos de preservação dos bens ou áreas de referência urbana, previsto no artigo 182 § 1º da Constituição Federal e na Legislação Federal através da Lei 10.257/2001, popularmente conhecida como Estatuto da Cidade. O Plano Diretor é um instrumento básico da política de desenvolvimento do Município, pois sua principal finalidade é fornecer orientação ao Poder Público e à iniciativa privada na construção dos espaços urbanos e rurais na oferta dos serviços públicos essenciais, visando assegurar melhores condições de vida para a população, adstrita àquele território”. (JurisWay).

Voltando a Mato Grosso, vejamos: a taxa de urbanização média desses 106 municípios é de 62%. Isso significa obviamente que somente 38% da população vive em área rural. Ou seja, é na área urbana que maciçamente vive, trabalha, estuda, se diverte, consome, constrói, joga, interage, inventa e se mobiliza a população dos municípios.

Se aliarmos a isso a média da Taxa de Crescimento Geométrico que é 0,87, ao PIB per capita (2014) de R$ 28.653,57, e ainda a média do Índice Gini do Rendimento Domiciliar (2010) que é 0,52 – onde 0 corresponde à completa igualdade (no caso do rendimento, por exemplo, toda a população recebe o mesmo salário) e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa recebe todo o rendimento e as demais nada recebem), percebe-se através desses números apresentados a importância de focarmos esforços para a gestão municipal urbano-rural desses pequenos municípios que ficaram alijados, equivocadamente ou por pura visão deturpada e míope dos gestores governamentais, das prioridades de investimento e gestão. Isso se tivermos a intenção de impedir que tenham o mesmo futuro problemático de nossas medias e grandes cidades conforme descrito.

Uma cidade é boa de se morar quando consegue proporcionar a seus cidadãos uma qualidade de vida digna e adequada. Oferece os serviços necessários (transporte, saneamento, abastecimento de agua, energia, entre outros…) na medida das necessidades da população.

Cidades que não proporcionam sustentabilidade econômica, social e ambiental não irão atrair investimentos privados. Consequentemente, será muito difícil gerar trabalho produtivo, emprego e renda, e sem isso esses 106 municípios continuarão crescendo ou decrescendo de forma desordenada, não havendo outro caminho senão a sociedade procurar indubitavelmente, a informalidade para sobreviver, construindo suas casas sem orientação técnica, se utilizando de “gatos” na efetivação de serviços de energia elétrica, como exemplos. Este modelo de cidade é ingerenciável e não consegue atender as necessidades ou mesmo os anseios de seus moradores.

Esta informalidade conduz a sociedade para prática da não cidadania, e evidencia a impossibilidade do poder público municipal de promover a adequada cobrança de impostos que reverteriam-se em infraestrutura urbano-rural. Concludentemente, sem ela o caminho lógico é mais pobreza, mais desigualdade e a uma perpetuação de um ciclo vicioso e maléfico à sociedade.

A concepção de uma nova proposta, com a garantia da especificidade para cada município, de um novo modelo de Plano Diretor Participativo de Desenvolvimento Urbano – PDPDU para os municípios com população inferior a 20 mil habitantes viria a quebrar esse ciclo pernicioso e garantir que as pequenas cidades passassem a ser norteados pelo planejamento e gestão. Se garantiria assim a formalidade, a competitividade para a geração de trabalho, renda e empregos produtivos e sustentáveis: os Empregos Verdes.

As experiências internacionais demonstram de forma contundente a diferença entre uma cidade que implanta o PDPDU, e que consequentemente está orientada para o desenvolvimento sustentável, e outra que não implantou. A cidade que está orientada para o desenvolvimento sustentável, através de seu Plano Diretor, tem pelo menos a expectativa de conseguir melhorar sua competitividade, atrair investimentos gerando Empregos Verdes e, finalmente, a possibilidade de quebrar esse ciclo de pobreza, de falta de infraestrutura urbana, e de desigualdade e exclusão social.

Portanto, não é exagero dizer que a sustentabilidade do nosso Estado depende, em grande parte, da sustentabilidade de 75% dos municípios mato-grossenses que possuem cidades com população inferior a 20 mil habitantes.

Cada um desses municípios pertence a um dos 15 (quinze) Consórcios Intermunicipais existentes. Em todos, volto a repetir, em todos temos gravíssimos problemas, por exemplo, de mobilidade, de falta de habitação de qualidade, de falta de saneamento básico – água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem. E muitas dessas carências de serviços existem, porque os impostos não são arrecadados de forma adequada.

Há carências de segurança, em todas as regiões. Há também problemas de vulnerabilidade a fenômenos naturais como enchentes, que arrastam pontes de madeira periodicamente ano a ano, e inundações que desabrigam famílias. Há ainda falta de espaços de lazer para a população mais carente e ainda seria possível nomear muitos outros, como por exemplo, a falta de hospitais regionais.

O grande desafio, para tornar essas cidades boas para seus cidadãos morarem, deve estar embasado no planejamento, na gestão fiscal, na governabilidade e na transparência. Na implantação de diretrizes de curto, médio e longo prazo alicerçadas no diálogo com a população local, desenvolvendo soluções produtivas e melhores opções de qualidade de vida, através de um plano de direcionamento de desenvolvimento urbano e regional, fundamentado no setor econômico, social e ambiental. Um desenvolvimento urbano integrado.

A boa notícia é, e posso aqui afirmar, que somente será possível que nossas cidades tomem nova feição e se transfigurem se houver conversação efetiva com a população e que esse diálogo se dê através da construção coletiva, em um grande aprendizado tanto para o gestor público quanto para a sociedade. Somente desta forma a gestão municipal local proporcionará qualidade de vida para os habitantes adstrita àquele território.

Mas todo o cuidado é pouco. Os desequilíbrios econômicos, sociais e ambientais, dessas pequenas cidades mato-grossenses, associados aos equívocos nos percentuais de transferências constitucionais na distribuição de recursos provenientes da arrecadação de tributos, podem gerar barreiras intransponíveis para o desenvolvimento sustentável dos 106 municípios do Estado com população inferior a 20 mil habitantes. Para resolver estes desequilíbrios é necessário entender como as cidades funcionam realmente. E só os gestores municipais alinhados com a população local, através de um plano de diretrizes, podem nos dar essa resposta.

Na “Parte 02” escreveremos sobre “Urbanização, desenvolvimento econômico e Gestão Fiscal para os pequenos municípios de Mato Grosso. ”

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About Eduardo Cairo Chiletto

Arquiteto e Urbanista - Presidente da Academia de Arquitetura e Urbanismo-MT. Coordenador Nacional de Projetos da PAGE - Brasil (2018 - 2023). Secretário de Estado de Cidades-MT (2015-2016)... Conselheiro e Vice-presidente do CAU/MT - Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso (2015-2017)
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6 Responses to Plano Diretor para Municípios de Pequeno Porte: Por que isso é importante? (Parte 01)

  1. Parabéns pela publicação clara e simples de como temos caminhos para construir juntos uma vida melhor para toda a sociedade dentro de suas cidades.

    • Muito obrigado Nicácio… O importante é trabalharmos juntos de forma ética e termos em mente que a semente que plantamos hoje um dia poderá se transformar em árvore que dará bons frutos para a geração futura.

  2. Avatar de LOURDES REGINA REAMI BEXIGA LOURDES REGINA REAMI BEXIGA disse:

    Eduardo, ótima publicação, já encaminhei para outros colegas…
    Acredito muito no que escreveu, vejo o plano diretor como grande aliado a um futuro planejado e pleno, temos que aos poucos, como trabalho de formiguinha, implantar esse importante legado como primordial aos gestores públicos e profissionais de nossa área, como forma de somar para o desenvolvimento do município, consequentemente estado e país.
    Meu sonho é ter serviços urbanos eficientes, cociente e usável… somos arquitetos, somos população, somos apaixonados pela qualidade de vida…

  3. Avatar de Grady Grady disse:

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